AtPeopleSideAnoIV–No.5703/outubro/2006
Os Melhores com quem se Trabalhar
Eduardo Cupaiolo
Quem sabe sejam irmãos. Gêmeos. Separados no berço. Nasceram ambos há 59 anos. Com ligeira diferença de local. Elcio no Paraná. Ulisses, um pouquinho mais ao norte, no Amazonas. Ambos executivos, com carreiras de enorme sucesso e vínculo duradouro com suas empresas. Ulisses está na dele há 28 anos. Elcio na dele, há 15.
Ambos chegaram ao ponto mais alto da hierarquia dessas organizações. Elcio há 15 preside a bem conhecida (e temida) Serasa. Ulisses há 12, a Masa, indústria de componentes plásticos de Manaus, desconhecida para a maioria de nós, afinal não há qualquer perigo de ter nosso nome em sua lista negra. Elcio é Administrador com pós em Marketing. Ulisses Engenheiro Químico.
Ok, concordo, para gêmeos idênticos até que eles tem um monte de diferenças em comum. Ok também concordo que é mais provável que Elcio Aníbal de Lucca não seja sequer parente distante de Ulisses Tapajós Neto. E confesso também não saber nem se eles, ao menos, se conhecem pessoalmente. Mas de algumas coisas tenho muita certeza.
A primeira, que ambos chegaram juntos ao primeiro lugar no pódio. Liderando suas organizações, as levaram a conquistar destaque especial em nosso mundo corporativo:
Ulisses e sua equipe da Masa, a 1a. posição entre As 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar (pesquisa realizada em parceria da FIA e revistas Exame e Você S/A da Editora Abril).
Elcio e Serasa, o 1o. lugar entre As 100 Melhores Empresas para Trabalhar (pesquisa realizada em parceria pelo Great Place to Work Institute e revista Época da Editora Globo).
E a quem me conhece já há algum tempo, informo, continuo, como afirmei há exatos 2 anos atrás (1), não ficar muito empolgado com o que leio e como interpreto os dados dessas pesquisas. Não que desconfie da idoneidade e responsabilidade de quem as faça, mas pelo contraste que vejo no meu dia-a-dia como consultor.
Percepção corroborada e destacada pelos próprios autores da pesquisa Exame-Você S/A quando alertam para resultado médio do IQGP (Índice de Qualidade na Gestão de Pessoas) ser ainda pouco superior a metade dos pontos possíveis (exatos 52,20 em 100). Ou seja, um copo ainda, apenas, meio cheio. Situação ainda mais delicada, os próprios autores destacam, quando se leva em consideração o universo investigado: as 150 melhores. Imaginem as piores. Sinal claro de que para todo mundo ainda tem muito trabalho para sermos realmente lugares bons para se trabalhar.
Mas tenho de ser, como sempre, sincero. Desta vez, ao ler as duas publicações, fiquei entusiasmado. Senti um agradável perfume de coisa boa no ar. Cheiro de que estamos começando a encontrar o caminho certo. Como recomendei aos leitores em um artigo mais recente (2), me surpreendi ao perceber uma orientação muito clara da forma positiva com que estes resultados têm sido alcançados. Em especial, porque, segundo posso perceber, são frutos de exercício de liderança servidora. No melhor e mais profundo sentido da palavra.
Segundo, pela oportunidade que tive de estar próximo a mulheres de Juvenal (3). As que sabem mais do que ninguém se os Juvenais são mesmo aquilo tudo que todo mundo pensam que eles são. E neste especial quesito Serasa e Masa passaram com louvor. Se as reportagens já despertaram minha atenção para os valores centrais destes dois verdadeiros líderes, conhecer os bastidores das suas empresas valeu ainda mais.
Tive o prazer de visitar a sede da Serasa no bairro de Planalto Paulista, em São Paulo, no início deste ano. E mesmo sem saber que um dia o presidente se preocupou com passarinhos kamikazes que se espatifavam na beleza translúcida de suas paredes de vidro e resolveu que isto era uma importante questão a ser resolvida (e foi), chamou muito mais a minha atenção a preocupação com os acessos viáveis para deficientes físicos.
- Mas até aí, qual a novidade? Muita empresa pensa nisto.
A novidade? A grande surpresa? Adivinhe? Foi encontrar deficientes físicos trabalhando na empresa. E quantos. E tantos. Surpresa e vergonha. Vergonha da cultura empresarial vigente que até faz rampa e toaletes adaptados, mas não contrata ninguém que precise usá-los. Faz porque a lei obriga ou só para ficar bonito na foto. Vergonha de mim mesmo que jamais tinha notado falta destas pessoas nas centenas de empresas pelas quais já passei. Vergonha de não sentir a falta de vê-las também no shopping, no cinema, na lanchonete. Vergonha de quem de repente achou que lá pareciam muitos, quando, provavelmente, ainda são em proporção menor do que na população em geral.
O outro ponto que me fez acreditar que finalmente as coisas estão realmente mudando, foi ouvir um presidente de empresa falar de Deus. Deixando religiões à parte, e até termos como religiosidade ou espiritualidade. Pego carona da idéia de transcendência.
Na percepção e convicção de que existe algo além do que vemos. Além de tangível. Do que dá para contar. Que sentimentos - amor e compaixão included certamente -, valores e ética não são coisa para se deixar em casa, nem na portaria na hora de passar o crachá na catraca eletrônica, nem coisa supérflua nem passível de ser superficial. É coisa para se trazer dentro do peito, para dentro da empresa, para o ambiente de negócios, para os relacionamentos profissionais, para os comerciais e para inundar o mundo corporativo, e a sociedade por tabela.
Amém, irmão?
À Masa ainda não fui, mas a conheço bem por fontes seguras. Pois se existe fonte segura, mais seguras são as minhas fontes. E por causa delas seguro estou que Ulisses faz mesmo o que a revista diz que ele faz. Não fizesse seria difícil inventar ter conseguido que seus colaboradores tivessem pelo menos 2o.grau completo, quando a porcentagem era de ínfimos 15% do total ou de aumentar de 1% para 25% os com curso superior.
E isto no norte de nosso contrastado país e liderando uma população de quase 1000 funcionários, por quem Ulisses, é reconhecido como pai (sem paternalismo) e que como tal, a cada um chama pelo nome. 1000 nomes.
Milhares, que não de partes de uma grande engrenagem, mas de gente que faz parte, participa. Gente que está acostumada a falar, pois é respeitada no seu direito de ouvir (Ulisses se reúne com todos eles uma vez a cada 2 meses), e de ser ouvida: em um ano, foram 15 mil sugestões de melhoria feitas, 15 mil implantadas, gerando 1 milhão de dólares de economia para a Masa.
Quer saber o segredo? Respeitar e valorizar as pessoas – responderá Tapajós.
Mas desconfio que haja também uma grande dose de coragem. Vai lá você convencer o novo acionista que deseja resultados rápidos (a Flextronics comprou a MASA ano passado), que resultado duradouro só se consegue com gente realizada com aquilo que faz e como faz. Gente esforçada em seu auto desenvolvimento, aplicada, competente, tão boa ao ponto de permitir à empresa há anos só preencher vagas com pessoal de casa, e ter todos os gerentes formados internamente. Vai lá você ser tão bom a ponto ver suas práticas de gestão made in Brasil (com S, please) sendo agora transferidas a outras unidades do grupo multinacional.
A resposta é, ao investir na busca do primeiro posto da lista, Ulisses não deu foco em melhores processos, como algumas empresas ainda acham que é o caminho. Procurou a melhoria das posturas, melhoria da qualidade dos relacionamentos. Na reportagem sobre ele, ouve-se falar de “credibilidade, respeito, imparcialidade, orgulho e camadaragem”, que podem sim e devem sim de alguma forma estar refletidos nos processos, mas, me diz aí, a que processo você chamaria de camarada e convidaria para ser padrinho de batismo do seu filho ou para tomar um choppinho no final do expediente?
São cases humanos, é bom destacar, e por isto não podemos cobrar deles perfeição. Sempre haverá detalhes a corrigir, e um caso ou outro de frustração. A beleza é que perfeição não existe. Existe busca por aperfeiçoamento. E é nesta trilha que Masa e Serasa estão. Fazer hoje melhor do que ontem, fazer amanhã ainda melhor do que hoje.
São dois casos verídicos e brasileiros, à distância de um táxi ou a algumas horas de avião, mas sem necessidade de carimbar passaporte. Exemplos bem reais de visão e ação, se me permitem, peoplesideanas, de gestores altamente qualificados, que foram além, assumiram seu papel de líder-gente que gera influência positiva na vida de outras gentes.
Líderes tão conscientes de seu papel na sociedade, muito além das fronteiras de seus edifícios, que já declararam a decisão de continuar fazendo a diferença mesmo quando for a hora de passar o bastão para seus sucessores. Exemplos bem reais, bem tangíveis, para analista nenhum de mercado botar defeito, deixando claro que colocar as pessoas, o lado humano da organização em primeiro lugar não é opção. É obrigação. É bom senso. É estratégia vencedora, com resultados excepcionais, como em 15 anos multiplicar por 30 o faturamento, como fez a Serasa.
Ok, ok, não precisa chorar. Sim, eu sei que sua empresa também é um lugar muito bom para se trabalhar. Parabéns. Parabéns para você e para todos os gestores que resolveram virar o disco (a respeito desta expressão, menores de 25 anos, por favor, consultem alguém nascido antes da década de 70), bem arranhadinho, aliás.
Resolveram acordar para o fato que pessoas não são acessórios, são razão de ser. Que muito, mas, muito melhor do que aparecer na revista (não que não seja muito legal), é realizar um trabalho nos bastidores, no dia-a-dia, onde não tem fotógrafo nem repórter, tem só gente.
Gente bem parecida, gente bem comum. Com corações, anseios e todo potencial para fazer algo que mereça o topo da lista. Gente comum, como eu, como você. Como os irmãos Elcio e Ulisses.
(1) As Piores Empresas para Se Trabalhar, edição 23 desta newsletter, 27 de outubro de 2003.
(2) Sepulcros Caiados, edição 39, 17 de setembro de 2004.
(3) Referência às pessoas de dentro as que sabem o que as revistas não conseguem saber. Mais detalhes em Contrate Preguiçosos, livro recém lançado por este autor, onde encontrará os 2 artigos acima mencionados e outros 32.
Eduardo Cupaiolo (cupaiolo@peopleside.com.br) é fundador e Gerente Geral da PeopleSide (www.peopleside.com.br), autor de “Contrate Preguiçosos - conselhos pouco ortodoxos que tornam o ambiente de trabalho mais humano e produtivo” da Editora Mundo Cristão (www.mundocristao.com.br).
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06 outubro 2006
Os Melhores com quem se Trabalhar (Será um sonho?)
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2 comentários:
Cara Mônica,
cara colega,
sua identificação com o texto trouxe-me alivio imediato, pois notei que interpretou bem tudo que escrevi lá. Mas acho que nem todos fizeram o mesmo.
Logo quando postei, vieram alguns comentários que me deixaram um pouco tonto: foi mencionado algo aludindo a personagem características de carregar somente mágoas e arrependimentos dos amores, mas não tentei escrever isso. No desperdício de pedaços, sugeri apenas a auto-defesa de trancar-se, não querer novos machucados com o fim deles (os amores), enfim, isso que é comum a todos nós. Mais tarde, uma amiga-leitora conversou comigo no MSN, pareceu-me que ela notou o personagem como uma pessoa triste. Mas não era. Ou melhor, eu nem imagino se ela era feliz ou triste, e pouco importa. O que sei é que ela tropeçou naquele instante de saudosismo de si – como quem abre os olhos - . Sei disso porque é natural.
Priscila acabou concluindo , no fim, que os “vazios sem endereços” eram mais ou menos aquela “sabedoria juvenil” que não possui mais. E eu acredito que isso se passa a mim, vc, a todos. Qualquer pessoa sente-se sensível diante da descoberta . Bom, talvez a minha amiga tenha esquecido que tb já chorou escondida, ou – provavelmente - eu tenha introduzido cinza demais a história, o que atrapalhou a ótica de uns dois ou mais leitores. Mas escrever tem mesmo dessa coisas, não é verdade?
Gosto que tenha gostado.
Abs!
Ps: eu volto pra ler o post.
Mônica,
agradeço a gentileza de reproduzir meu texto em seu blog.
Forte abraço,
Eduardo Cupaiolo
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